"Esta freguesia, situada em planície, na bacia orográfica do rio Este, é banhada pelo ribeiro Codade, que nasce na freguesia de Góios, limites da de Chorente e da de Remelhe, passa pela de Gueral e por esta e vai lançar-se no Este na freguesia de Balasar, e pelo riacho do Souto, que nasce no lugar dos Araújos, freguesia de Courel, e se junta àquele ribeiro aqui, do qual é afluente"(...)"Confronta pelo norte, com a de Gueral; pelo sul, com a de Rates e a de Balasar, do concelho da Póvoa de Varzim; pelo poente, com a de Courel e pelo nascente, com a de Chorente e a de Negreiros"
Teotónio da Fonseca, "O Concelho de Barcelos Aquém e Além Cávado", 1948
No extremo sul do nosso concelho, situada na bacia hidrográfica do rio Este, e sem grandes elevações, Macieira de Rates é uma freguesia essencialmente agrícola, mas também dotada de comércio e de diversos serviços e equipamentos que a colocam em sector privilegiado dono nosso concelho.
Atravessada pela EN306, de Barcelos às Fontainhas, tem como ponto de referência a igreja paroquial, bem localizada no centro da freguesia, quer balizava, outrora, os de “cima” e os de “baixo, fronteira mais nominal do que real.
Macieira de Rates (da palavra latina Ratis que significa remo, conjunto de remos ou barco), assim designada por estar perto de uma antiga vila com esse nome, “San Pedro de Rates”, foi conhecida outrora por Macieira. É possível que esta freguesia tenha sido habitada durante o período da cultura megalítica, cerca de 5.ooo anos antes de Cristo. Os nomes do lugar da Pedra Fita (Perafita), situando no extremo da freguesia com a de Gueral, e da Bouça da Mama, perto daquele lugar, tudo parece indicar. Na verdade, a cultura dolménica ou megalítica designa um tipo de construções sepulcrais, constituídas por dólmenes (uma câmara com pedras colocadas em posição vertical, formando um telhado), também conhecidos, mamoelas, arcas, etc., por menires (pedra vertical isolada).
Manuel Ferreira de Araújo refere a existência, nesse lugar, de um marco e de uma estátua em pedra, bastante tosca, parecendo muito antiga, encontrada por uns homens de Courel quando procediam à escavação de uma bouça e que desapareceu.
A paróquia de Macieira não vem mencionada no censual do Bispo D. Pedro do séc. XI, mas parece ter existido como povoação. Quando é referida a freguesia de S. Pedro de Rates diz-se que “o infante D. Afonso Henriques fez doação da Comunidade Macieira de Rates pelo qual maneira há ouve Soeiro Goncalviz em nos tempos delrei don Fernando pelo testemunho de San Pedro de Rates”.
D. Afonso Henriques, em 1128, doou “Maceeira com sua creaçon per qual maneira há houve Soeiro Gonçalviz e nos tempos delrei don Fernando (1037-1065) pelo termho de San Pedro de Rates e dês hi per Agistrn e per Santerdraão”.
Macieira vem mencionada nas Inquirições de 1220, de D. Afonso II, com a designação de: “De Sancto Adriano de Mazaeira (Mazeira)”, nas Terras de Faria. O rei tinha aqui alguns casais, dos quais recebia foros. “Ecclesia de Maceeyra ad octuagina libras.”
Em 1528, a paróquia de Macieira estava anexada a Chorente, sendo uma vigararia da apresentação do reitor desta paróquia, e tendo de côngrua 60$000 reis.
A História de Macieira, segundo alguns autores, está relacionada com a família Macieira. Segundo Manuel Ferreira de Araújo, o primeiro a usar o apelido de “Macieira” foi D. Gomes de Maceyra ou D. Gomes Peres ou Pires “de Souto” casado com D. Marinha Osores, filha de D. Pelagio Velasquis ou D. Afonso Henriques, antes de 28 de Julho de 1180, fez couto e doou o Mosteiro de Bravães (S.Salvador), em Ponte da Barca. Adquiriu este apelido da Quinta de Macieira, que deve ser o Paço da Torre ou Quinta da Torre, em Macieiera.
D. Gomes de Maceyra foi senhor da Quinta da Torre. Fundou o mosteiro de Santa Maria do Souto, em Guimarães, de Cónegas Regrantes de Santo Agostinho, cerca de 1220. A igreja deste mosteiro, segundo as Inquirições de 1258, de D. Afonso III, é da apresentação dos seus herdeiros e dos seus filhos e netos. Era uma abadia do Padroado Real e rendia cento e oitenta mil reis.
Uma neta de D. Gomes de Maceyra, D. Maria Lourenço Gomes “de Macieira”, filha de D. Lourenço Gomes de Maceyra, que, segundo Pinho Leal, é o primeiro do ramo Macieira, casou com D. Lourenço Fernandes “de Cunha”, a cujos filhos e netos pertenciam cinco dos dezanove casais e três “cabaneiros” que constituíam a freguesia de Santa Maria do Souto. Era senhor da Quinta, Paço e Honra de Penela.
No lugar de Paço, existe a Casa do Paço, propriedade atualmente, dos herdeiros de David Ferreira da Costa. Quanto à Quinta da Torre ou Solar da Tore é a atual Quinta do Padrão, situada no lugar do Picôto.
Da mesma opinião, é Manuel Ferreira de Araújo, que admite outras hipóteses: a Casa do Rio, também designada por Casa do Brasileiro, atendendo à pedra que lá existe sobre os “Macieira”. Além disso, a Capela do Rio. De Nossa Senhora da Glória, foi mandada construir por Manuel Domingos Macieira, certamente da família dos “Macieiras”. António Júlio Trigueiros discorda desta última versão, pois o fundador da capela nada tem a ver com os Macieiras medievais (ver pág. 28). Aquele autor admite ainda oura hipótese, ter sido a Casa da Quinta, no lugar do Penedo, propriedade atual dos herdeiros de Aureliano Fernandes de Carvalho e onde existiu um conventículo.
As Memórias Paroquiais de 1758 são parcas quanto a informações, sendo as respostas ao inquérito inexistentes.
Segundo Teotónio da Fonseca, a população de Macieira era no séc. XVI de 42 moradores, no séc. XVII, de 93 vizinhos, no séc. XVIII, de 148 fogos, no séc. XIX, de 858 habitantes e pelo censo da população de 1930, de 993 habitantes, sendo 417 varões e 516 fêmeas, sabendo ler 127 homens e 83 mulheres.
A história de Macieira está também ligada aos caminhos de Santiago, cujas peregrinações datam do séc. XII. Os peregrinos, vindos do Porto passavam na Ponte do Ave e Rates. Aqui chegados, uns seguiam para Viana do Castelo e outros para Barcelos. Em Macieira, o caminho aproximava-se da “Ponte do Burrinho”, passando no lugar da “Mulher Morta”.
Importante para o progresso desta freguesia foi a construção da estrada nº5 (atual EN306), de Barcelinhos a Rates. O lanço da Igreja de Macieira à Estação das Fontainhas no caminho de ferro da Póvoa de Varzim foi adjudicado, em sessão de Câmara Municipal de 11 de dezembro de 1886, presidida pelo bacharel José d’Abreu do Couto d’Amorim Novais, a António Joaquim da Silva, da freguesia de Rendufinho, do concelho de Póvoa de Lanhoso, pela quantia de três contos duzentos e noventa e oito mil reis.
Durante a segunda guerra mundial (1939-45), houve exploração de volfrâmio em terrenos desta freguesia, tendo-se ganho muito dinheiro.
Segundo Teotónio da Fonseca, na segunda metade do séc. XIX, havia em Macieira de Rates duas escolas, uma para o sexo masculino, que funcionava em edifício próprio e outra para o sexo feminino que funcionava na sala por cima da sacristia da Igreja Paroquial. Havia ainda uma caixa de correio que segundo Manuel Ferreira de Araújo, era distribuído na mercearia de José da Silva Campos. Era o senhor Manuel Correia, conhecido pelo Manuel Padeiro, morador no lugar do Outeiro que, logo pela manhã, se deslocava, a pé, a Barcelos, para, na Central do Correio, receber vários sacos, fazendo depois a distribuição, nos autores atrás citados, havia três lojas de mercearias, uma farmácia, quatro moinhos e três engenhos de serrar madeira.
Importante para o progresso de Macieira foi a inauguração da escola primária de Outil e da eletrificação da freguesia, no dia 10 de junho de 1956, com a presença do governador civil de Braga, Tenente-coronel Nely Teixeira e do presidente da Câmara Municipal de Barcelos, dr. Luís Novais Machado, entre outras individualidades.
Alto da Mulher Morta - Macieira de Rates
Por um caminho de terra batida, ladeado por muros velhos em pedra, quem peregrina pelo Caminho Português de Santiago entra no concelho de Barcelos pela freguesia de Macieira de Rates e percorre o "Alto da Mulher Morta". Contudo, poucos que por ali passam sabem que a este lugar está associada uma lenda: a "Lenda da Mulher Morta".
Diz a Lenda que, num certo tempo, houve neste local um enorme fogo. O sino "tocou a rebate" e toda a população tentou acudir ao incêndio. Mas a altura e a força das chamas era tal que só mesmo com a chegada do fogo aos terrenos cultivados, o anoitecer e os esforços da população foi possível que o fogo se extinguisse. Ao amanhecer, os proprietários dos terrenos voltaram ao local do incêndio para avaliar os prejuízos. Em determinada altura, um popular, em pânico, gritou por um achado sombrio: uma mulher carbonizada!
Vieram as autoridades para dar nota do ocorrido e levantar o corpo. Nos dias seguintes, todos procuraram saber a quem pertenceria aquele corpo, uma vez que tanto em Macieira de Rates como nas freguesias vizinhas, não se tinha dado pela falta de ninguém. Os dias foram passando, e todas as tentativas para saber a identidade da mulher revelaram-se infrutíferas. E, de facto, até hoje, nunca foi possível encontrar uma explicação para a falta de identificação da mulher encontrada. Talvez alguma viajante, uma pobre pedinte... ou uma Peregrina! E, desta forma, o local de entrada no concelho de Barcelos pelo Caminho Português de Santiago é denominado por "Alto da Mulher Morta"!
A "mulher morta" aparece, também, associada a uma outra (versão da) lenda por terras de Rates. O livro "Lendas e tradições do Caminho Português de Santiago" (Xunta de Galicia, 2006; Galicia, Claudio Buratti Bermúdez, Portugal, Carlos A. Brochado de Almeida) apresenta uma outra história carregada de "simbolismo":
Num determinado final do dia, dois lavradores, pai e filho, aproximavam-se do Mosteiro de São Pedro de Rates com uma junta de bois de raça galega. Pretendiam chegar à feira de Barcelos, ao nascer do dia seguinte, com os produtos que levavam no carro. Ao passar junto de uma pequena estalagem, pararam para alimentar os animais mas, também, para beberem uma malga de vinho. Aí encontraram Peregrinos que se preparavam para pernoitar, antes de continuarem a sua jornada a caminho de Barcelos e Santiago de Compostela. Como a noite se aproximava, o estalajadeiro perguntou-lhes se ali pretendiam dormiam. Perante a resposta negativa dos lavradores, não deixou de avisar que não era de cristão aventurarem-se depois das Trindades (hora da tarde em que se rezam as avé-marias) pelos caminhos que passavam pelo Alto da Mulher Morta. Curiosos, quiseram saber o que havia de tão perigoso nesse local. "É carneiro preto que por lá aparece fora de horas. Um dia morreu ou por lá mataram uma mulher e desde então é sítio excomungado", disse o estalajadeiro.
Aos lavradores não faltava a coragem, mas um "frente-a-frente" com almas penadas não era o que mais ansiavam. Mesmo assim, a feira era no dia seguinte, e "o que tem que ser tem muita força". "Bem, se teimam em ir, pelo menos não abandonem a soga dos bois. Assim estão protegidos!".
Depois de se despedirem dos Peregrinos e do estalajadeiro, seguiram caminho, noite dentro. Foram percorrendo um caminho fundeiro cercado de pinheiros, campos de milho e vinhas. A lua ia iluminando o caminho... até que se avistou o pinhal do "desassossego". Com o aproximar do local indicado pelo estalajadeiro, puseram-se à frente dos bois, que começavam a ficar inquietos. Mais alguns metros caminhados... e os bois pararam! Simplesmente não se mexiam! Pai e filho olharam em todas as direções. A pouca luminosidade adensava todo o ambiente. E, de repente, viram-no: ali estava o carneiro preto, parado, bem no meio do caminho, de pelo sedoso, escuro, narinas fumegantes e um olhar fixo nos intrusos.
"E agora?" - exclamou o filho todo a tremer. "Acalma-te que eu trato deste estafermo!" - respondeu o pai. O lavrador, que era "experiente" em assuntos de mau olhado e almas penantes, clamou em voz forte:
Água benta de sete bicas
Água de sete fontes
Sangue de sete galinhas pretas
Terra de sete sepulturas
Padre Nosso. Avé Maria
Um enorme estrondo ressuou por toda a pacatez do pinhal. O carneiro desatou a fugir monte dentro e no ar ficou um odor a enxofre. "Desta livramo-nos nós!" - disse o pai - "Com a bênção de Deus, vamos para a feira!"
No regresso, quando por ali passaram, lembraram-se do que tinha acontecido. Decidiram construir, naquele local, um cruzeiro em pedra. E, desde essa altura, nunca mais por ali apareceu o tal carneiro preto!
“Bernardino Leça foi o último dos Leça que possuiu a casa onde a tradição diz que se abrigara D. Fr. Bartolomeu dos Mártires. Era inculto, analfabeto, de feições grosseiras, segundo ele mesmo se classifica, parece que de bons costumes, simplório, mas com extraordinária veia poética e repentista. Naquele tempo ia “cantar ao desafio” (costume em voga) pelos concelhos vizinhos, lá pela região da Maia, etc., e com prejuízo da sua casa de lavoura que abandonava e consumição das irmãs e esposa, a qual, por fim, vendo-o incorrigível e o desequilíbrio do casal, separou-se dele e retirou para Viatodos, sua terra natal.”
Poeta repentista e cantador emérito, verdadeiro andarilho, dotado de doentes especiais para versejar e cantar, e com um estilo de vida muito próprio, Bernardino Lopes, mais conhecido por Bernardino Leça, tinha a veia dos poetas e cantores populares, a resposta mordaz e irónica, sempre na ponta da língua.
Cantador ao desafio muito conhecido no nosso concelho e em concelhos vizinhos, designada nas Terras da Maia, era um elemento preponderante em muitas romarias, mas também nas espadeladas, desfolhadas, etc. A sua participação em muitas festas fora do nosso concelho, fazia com que abandonasse a sua casa e os trabalhos agrícolas, o que nem toda gente compreendia, sobretudo a sua mulher que não aceitava muito bem esta sua maneira de ser. Por isso, chegou a deixá-lo, indo viver para sua casa, na freguesia de Viatodos.
Bernardino Lopes nasceu em Macieira de Rates, em 30 de abril de 1792 e faleceu “da vida presente com todos os sacramentos da Confissão, Eucaristia e Extremaunção”, nesta mesma freguesia, no lugar do Rio, em 19 de agosto de 1858, com 66 anos de idade. Segundo o registo de óbito feito pelo pároco, Pe. Severino de Oliveira Lima, foi sepultado, no dia seguinte, dentro da sacristia, pois as campas da igreja paroquial estavam cheias. Segundo Rios Novais morreu abandonado, na miséria, este poeta e cantador popular que fez a alegria de tanta e tanta gente.
Era filho de Manuel Lopes e de Ana Maria, do lugar do Rio. Era neto paterno de Manuel Lopes Pereira casado com Custódia Domingues e materno de José António casado com Maria Antónia, todos desta freguesia. Foi batizado em 6 de maio do referido mês, na Igreja desta freguesia pelo pároco Pe. Manuel Gomes de Sousa. Foram padrinhos José António casado com Maria Antónia, do lugar do Penedo e Maria da Silva casada com José Lopes Ferreira.
Segundo Rios Novais, Bernardino Lopes residia na casa dos “Leças”, no lugar do Rio, onde se diz ter pernoitado D. Frei Bartolomeu dos Mártires, que foi Arcebispo de Braga entre 1559 e 1582. Vindo da freguesia vizinha de S. Pedro de Rates, de visita ao túmulo de S. Pedro, um dos seus antecessores e primeiro Bispo de Braga, uma tempestade de obrigou-o a acolher-se na referida casa. Sentado numa raza de medir os cereais, aqueceu-se à lareira e alimentou-se com ovos cozidos e broa.
Assinalar este facto, havia uma placa em mármore que foi retirada da casa, encontrando-se atualmente na posse do Monsenhor Manuel Ferreira de Araújo.
A fama deste homem era de tal ordem que, segundo Rios Novais, o dr. Rodrigo Veloso (04.02.1839-24.06.1913), barcelense por adoção, notável advogado e político do Partido Progressista, fundador e diretor do jornal “Aurora do Cávado”, apreciava muito os seus versos do Leça, passando-os a escrito.
Acerca de Bernardino Leça contam-se algumas histórias muito curiosas, tal como a que é descrita pelo autor que vimos citando. Certo dia, uma das suas irmãs saiu de manhã cedo para os trabalhos do campo e deixou-lhe ao lume o pote com o caldo para o almoço, como era usual naquele tempo, no caso dele vir antes do meio dia. Ao lado deste, deixou também uma panela com a vianda para um bacorinho. Ao chegar a casa, o Leça “deitou a mão à ração maior” e comeu tudo, nada deixando para o pequeno porco.
Felizmente que conhecemos alguma da poesia de Bernardino Leça, pois Rios Novais recolheu-a deu-a a conhecer no seu pequeno trabalho publicado em 1944 e intitulado “Notas Ligeiras a Propósito da Visita Pastoral a Macieira”.
Certo dia, o Leça foi a um arraial à freguesia de Fornelo, concelho de Vila do Conde. No regresso a Macieira, e já altas horas da madrugada, o barqueiro que fazia a passagem no rio Ave, exigiu que o cantador Amaro da Lage, lhe cantasse uma boa cantiga. Cantou a primeira e a segunda, mas parece que não foi agrado do barqueiro, que não saía da margem. Então, Amaro da Lage pediu ao Leça para cantar e a resposta foi imediata:
“Adeus Amaro da Lage
Não sejas tão marralheiro
Puxa pelos codões à bolsa
Para pagar ao barqueiro.”
Parece que o barqueiro gostou da cantiga e, imediatamente, se pôs a remar, soltando o Leça outra cantiga:
“Quando Deus criou a terra
Também criou este rio;
E também criou estes tolos
Para andarem por aqui ao frio.”
Outra cantiga conhecida de Bernardino Leça é a que foi dita quando uma das suas irmãs se casou:
“Donde estou bem vejo
Coisas que me fazem rir
Uma chora porque vai
Outra chora por não ir.”
Numa determinada altura, quando se preparava para cantar ao desafio, o dono da casa pediu-lhe para que a primeira cantiga fosse dedicada ao próprio Leça. E a resposta foi imediata:
“Chegou aqui agora
Bernardino Leça
Que é grosso nas feições
Delicado na conversa.”
Certo dia, freguesia de Viatodos, no fim de uma espadelada, o Leça tinha que cantar para cada uma das mulheres que estavam em círculo, na eira, entre as quais a sua própria mulher, de quem estava já separado, e saiu-se com esta:
“Era uma vez homem
Casado com uma mulher
Desarranjaram-se no contrato
Cada um faz o que quer.”
Uma determinada altura, um certo cantador que o desafiava, apelidou-o de “fraco homem”, por estar separado da mulher. A resposta do Leça não se fez esperar:
“Com respeito a mulheres
Calemo-nos ambos os dois:
A tua fugiu antes
A minha fugiu depois.”
Manuel Ferreira de Araújo, no seu livro “S. Adrião de Macieira”, publicado em 2008, acrescenta mais algumas cantigas. Uma delas foi cantada na boda do casamento de João Rodrigues Afonso, de Macieira, com Maria Rosa Costa, de Beiriz, Póvoa de Varzim, seus bisavós:
I
Adeus João de Penedo
Já que Deus assim o quis
Foste buscar a melhor pomba
Que se criou em Beiriz.
II
Adeus João de Penedo
Trazes a fêmea e dinheiro
Olha se a cama cai
É erro do carpinteiro.
III
Ó minha pombinha branca
Ó ramo de Macieira
Quando deres o voo
Ficarás logo à beira.
IV
Ó minha pombinha branca
Salta pró meio da eira
Tu hoje vais dar um voo
De Beiriz a Macieira.
O autor atrás citado divulga ainda mais duas cantigas muito engraçadas, contadas pelo seu avô, Manuel António Araújo.
O Leça foi à romaria de Nossa Senhora das Necessidades, em Barqueiros, acompanhado de alguns amigos de Macieira, tendo encontrado uma cantadeira, daqueles de “pelo na benta”, temida por todos os cantadores.
A cantadeira soltou-lhe a seguinte quadra:
“Quem me dera ter papel
E tinha para escrever
Olha o diabo do velho
O que veio aqui fazer:”
O Leça, no sue estilo habitual, respondeu-lhe imediatamente:
“Do cu fazes tinteiro
Do nariz pena aparada
Da língua fazes papel
Já não te falta mais nada.”
Era assim o Bernardino Leça, poeta popular e notável cantador, que merece ser divulgado e conhecido, para além da justa homenagem da freguesia com a consagração do seu nome na toponímia de Macieira de Rates.
Segundo Manuel Ferreira de Araújo, em Macieira de Rates, até por volta dos anos 50/60 do século passado, não havia cas de lavoura que deixasse de cultivar o linho. Este era utilizado na confeção de roupa diversa, desde toalhas de mesa e guardanapos, toalhas de rosto e toalhas de ornamentação dos cestos, até às camisas, roupas interiores, lençóis e travesseiros e “luxuosas” cobertas de cama.
No coberto da eira, formavam em semicírculo as raparigas solteiras vestidas a rigor para atrair as atenções dos namorados, mostrando o seu espadeladouro de madeira. “Marcando o ritmo da cantiga a espadela bate na manada segura na morena e bem anelada mão. A dextra, hábil e rápida confunde-se com o moreno da estriga mourisca a faiscar douradas arestas à mistura do luzir dos anéis e do bater das peças no enfeitado seio, não sei se do gesto se do palpitar do coração”. - refere-se, a propósito, num folheto sem autor especificado, que cremos ser Feliciano Lopes Gomes intitulado “Ideário Elucidativo do Folclores e Etnografia do Concelho de Barcelos”, editado em maio de 1961. Mais não é do que uma descrição do cortejo Etnográfico e Folclórico realizado na Festa das Cruzes desses anos. Enquanto elas espadelavam ao som de uma viola, cantava-se com alegria e entusiasmo. De vez em quando, passava a caneca ou a infusa de vinho para dar mais força e animação à festa.
Depois, apareciam os “máscaras” que cortejavam as raparigas, “dando piadas em disfarçada voz de falsete, ao rival ou a desinteressada pretendida”.
Ao terminar a espadelada, já cerca da meia-noite, servia-se a merenda, o bolo quente, bacalhau frito e o tradicional arroz de tomate.
A estúrdia já começa na eira e a dança inicia-se, enquanto os cantadores interpretavam o típico “S. João das Espadeladas”.
Segundo Manuel Ferreira de Araújo, as malhadas de trigo eram muito difíceis não só pelo pó que libertavam, mas também pelo calor que se fazia sentir. Os molhos de trigo eram entregues a um homem que os metia na malhadeira. À frente desta, estavam homens e mulheres em duas filas, com espalhadoira. No final da eira, havia outro grupo de pessoas para o transporte da palha para as serras ou medas, que servia de alimentação para o gado.
Ainda segundo aquele autor, durante a malhada não se cantava, por causa do ruído do motor, do pó e da dureza do trabalho. Todavia, falava-se muito e alto, havendo sempre qualquer peripécia.
Acabada ou a meio da malhada, havia a merenda, bolo quente, bacalhau frito, vinho e ameixas, sendo o divertimento geral.
Depois de todas estas operações, o trigo era joeirado ao limpador, ensacado, ficando pronto para a venda.
Fernanda Matos Cunha (“Notas Etnográficas sobre Barcelos”, 1932), ao que julgamos saber, é uma das primeiras investigadoras a abordar a questão do traje feminino de Barcelos, descrevendo-o no seu conjunto: camisa, colete de rabos, saia com barras, avental de riscas, dois lenços chinelas, e, no inverno, uns casacos curtos, típicos e decorativos.
Uns anos mais tarde, em maio de 1936, por ocasião da Festa das Cruzes, a Comissão de Iniciativa de Turismo de Barcelos, liderada por Joaquim Paes de Villas Boas aprovava o traje regional feminino de Barcelos, traje vianense, mandado confecionar uma boneca vestida com o traje regional barcelense.
Saia de serguilha, com avental, com a sua barra (“forro”, em linguagem minhota), de cor preta. Colete de rabos, preto, com bordado a cores, camisa de gola larga e ombros bordados a branco. Cruza o peito um lenço de ramagens, m fundo de mais escuro e outro de fundo mais claro, sendo característica inconfundível barcelense a combinação do lenço castanho e do lenço da mão, completavam o traje. As joias características eram: as argolas e coração de chapa, os cordões e a “borboleta”, assim como a cruz. A filigrana não fazia parte dos adornos, sendo apenas usada, e não muito, a chamada estrela (espécie de Cruz de Malta). Tal como nas outras aldeias, o modo de vestir, em Macieira de Rates era diferente, conforme o estatuo social e o poder económico.
Manuel Ferreira de Araújo descreve o traje dos homens e mulheres macieirenses, nos finais do séc. XX:
Os homens, no traje de cerimónia, vestiam: fato caxemira, calças, casaco, colete, camisa de trincha de linho com peito de riscado, sem colarinho; calçavam botas e meias de algodão; e traziam relógio de bolso com correntes de ouro ou prata, conforme as possibilidades económicas; a cabeça era coberta de pano, de aba larga; as mãos, os mais ricos, traziam anéis e aliança (não havia alianças de casamento).
No traje de trabalho, vestiam: calças da teia, tingidas em azul ferrete, casaco de lã preta, tecido no tear, com botões, camisa da teia, de linho ou estopa; calçavam socos de couro, pretos ou brancos e meias de lã; cobriam a cabeça com chapéu de pano, no Inverno e de palha, no Verão; e quando chovia, utilizavam a palhoça.
Por sua vez, as mulheres, no traje de cerimónia, vestiam saia de matalasé, com muita roda e até ao tornozelo e avental de armur; cobriam cabeça com um lenço de cetim; calçavam chinelos de verniz, com meias brancas de algodão; e traziam cordão de ouro, com corações ou libra e argolas de ouro ou libras.
No traje de trabalho, vestiam saia de estopa tingida de azul ferrete e avental de riscado e colete branco, às vezes, bordado; ao pescoço, lenço vermelho; cobriam a cabeça com lenço de algodão e chapéu de pano; usavam ainda uma faixa preta; calçavam socos; usavam ainda algibeira, saiote vermelho ou saia branca, nágoa e camisa de linho com mangas e com gola ou renda.
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